Post by Bia-chan on Jan 17, 2012 10:33:35 GMT -5
achei o texto muito interessante, espero q tenham paciencia de ler, e gostaria de saber o que pensam sobre o assunto^^
texto tirado de "O Blog dos Quadrinhos": blogdosquadrinhos.blog.uol.com.br/arch2011-12-01_2011-12-31.html#2011_12-27_17_02_06-135059040-28
texto tirado de "O Blog dos Quadrinhos": blogdosquadrinhos.blog.uol.com.br/arch2011-12-01_2011-12-31.html#2011_12-27_17_02_06-135059040-28
27.12.11
2011: o ano em que o quadrinho nacional aconteceu
Volume de trabalhos brasileiros publicados neste ano foi o maior da história
Produção circulou entre editoras, páginas virtuais e de forma independente
Número de encontros sobre quadrinhos no país também foi recorde
Há que se ponderar que a situação, do ponto de vista do autor de quadrinhos, ainda não é a ideal. Trabalha-se muito, ganha-se pouco, muitos nem recebem pelo serviço, fazem por amor à arte. Feita a ressalva, há também que se registrar que este foi um ano histórico para a produção brasileira. Nunca o país produziu tantas histórias como neste 2011. Isso fica claro se for observada a soma dos catálogos das editoras, o volume de obras independentes lançadas e o circuito de sites e blogs autorais dedicados ao tema.
Mais do que quantidade, viu-se também qualidade e pluralidade de gêneros, temas, formatos e suportes. As narrativas longas, tendência externa que ganhou espaço a passos largos nos últimos anos no Brasil, parece terem se enraizado de vez no solo editorial nacional. Foram poucas as editoras da área que não apostaram no setor. A maioria com mais de uma publicação. As livrarias se somaram às lojas especializadas em comercializar quadrinhos como fonte de escoamento dos títulos.
Não há números sobre vendas, algo que costuma ser divulgado pelas editoras apenas quando são informações atraentes. Há, no entanto, alguns dados. As tiragens ficam entre mil e três mil exemplares. Mais em casos esporádicos. O catálogo da Quadrinhos da Cia. também costuma ultrapassar essa marca. Foi o caso de "Quando Meu Pai se Encontrou com o ET Fazia um Dia Quente", que marca a volta de Lourenço Mutarelli aos quadrinhos. O álbum teve 6 mil cópias, segundo informe da Companhia das Letras repassado aos leitores. A obra, feita na forma de livro ilustrado, foi lançada no começo de dezembro.
Outro álbum que teve os números disponibilizados foi "Histórias do Clube da Esquina", de Laudo Ferreira Júnior. O trabalho biográfico sobre Milton Nascimento, Fernando Brant, Lô Borges e outros integrantes do movimento musical mineiro teve quase todos os 3 mil exemplares vendidos em quatro meses. A obra foi uma das dez escolhidas na edição de 2010 do ProAC (Programa de Ação Cultural). O mecanismo de apoio cultural do governo do Estado de São Paulo foi um dos principais impulsionadores de narrativas longas. Cada autor selecionado recebe R$ 25 mil para produzir a obra.
O edital paulista gerou também trabalhos como "Carcará" (Qualidade em Quadrinhos), de Aloísio de Castro, uma história de cangaceiro com verniz de faroeste que figura entre os destaques do ano, e "Vermelho, Vivo" (Cristina Judar e Bruno Auriema, Devir). A maior parte dos trabalhos foi feita em parceria com editoras. Estas, no entanto, fizeram apostas próprias, inclusive com autores estreantes em histórias longas. Apesar de novos no formato, começaram bem. Casos de Kerouac (João Pinheiro, Devir), "Yuri - Quarta-Feira de Cinzas" (Daniel Og, Conrad), "EntreQuadros - Círculo Completo" (Mario César, Balão Editorial), "A Balada de Johnny Furacão" (Eduardo Filipe, o Sama, Flaneur, reeditada no final do ano pela Kalaco), "Garoto Mickey" (Yuri Moraes, Dobra Quadrinhos), "Automatic Kalashnikov 47" (Luciano Tasso, Annablume) e "São Jorge da Mata Escura" (Marcello Fontana, André Leal, Antônio Cedraz e Naara Nascimento, RV Cultura e Arte).
"Oeste Vermelho" (Devir), dos também estreantes Magno e Marcelo Costa, foi uma das boas surpresas do ano. Os irmãos gêmeos narram uma história de faroeste em que um rato sai em vingança contra os gatos que mataram sua família. A obra é resultado de parceria com a Quanta Academia, de São Paulo. A escola de artes seleciona trabalhos que julga relevantes e os encaminha para a editora Devir publicar. Outra surpresa foi trazida por Julius Ckvalheiyro, com o álbum "Guerra: 1939-1945" (Conrad). Narrado num estilo que mescla luz e sombras, apropria-se de um gênero pouco explorado no país, ainda mais numa história de maior fôlego.
Aos novos somam-se novos trabalhos de autores que já experimentaram esse modo de narrar quadrinhos em produções anteriores. Marcelo d´Salete ("Encruzilhada"), Rodrigo Rosa e Carlos Ferreira ("Kardec") e André Diniz ("Morro da Favela") marcaram os primeiros álbuns nacionais da Barba Negra, parceria com a editora portuguesa Leya. O trabalho de Diniz, uma biografia do fotógrafo carioca Maurício Hora, figura entre as melhores obras de 2011, incluídas as estrangeiras. José Aguiar, Dw Ribatski e Paulo Biscaia fizeram uma leitura de trechos de peças de Biscaia em "Vigor Mortis Comics" (Zarabatana). Houve ainda três novas visitas a personagens já apresentados ao leitor. Nestablo Ramos Neto concluiu a segunda parte de "Zoo" (HQM), série pautada na interação entre humanos e animais. Danilo Beyruth também deu sequência às histórias do herói do além "Necronauta" (Zarabatana). Eduardo Schloesser revisitou seu Zé Gatão na aventura "Memento Mori" (Devir).
Três coletâneas tiveram curiosamente pontos coincidentes: reeditavam histórias já lançadas em álbuns anteriores ou em outras publicações e agregavam a elas novas narrativas; trabalhavam a identidade do brasileiro, em diferentes regiões do país; traziam histórias curtas, como se fossem contos em quadrinhos; obtiveram resultados artísticos singulares, cada uma a seu modo. André Toral mesclou o lado urbano do brasileiro de hoje com relatos de ontem em "Curtas e Escabrosas" (Devir). Marcello Quintanilha deu nova cara a um álbum publicado nos primeiros anos da Conrad, rebatizado agora de "Almas Públicas" (lançado pela mesma editora). O principal alvo são os fluminenses. Lélis trouxe de volta o álbum "Saino a Percurá", lançado uma década antes, e colou no título um "Ôtra Vez" (Zarabatana). O desenhista, especialista em aquarela, conta causos do sertão mineiro.
Merece registro especial a reunião das cem páginas que compuseram a história do "Garra Cinzenta" (Conrad). A reedição, em formato livro, trouxe - ou apresentou - ao leitor um dos primeiros quadrinhos adultos produzidos no país. Foi escrito por Francisco Armond (um pseudônimo), desenhado por Renato Silva e publicado no final da década de 1930. Mais do que isso, ajudou a corrigir algumas informações histórias que eram reproduzidas acriticamente, sem que se tivesse contato com o trabalho original. Uma delas é que se tratava de uma aventura de terror. A leitura revela uma trama de mistério, com toques de história de detetive.
***
Lélis publicou outro álbum neste 2011, uma versão em quadrinhos de "Clara dos Anjos", romance de Lima Barreto (1881-1922). A obra foi feita em parceria com o roteirista Wander Antunes (para o Quadrinhos da Cia.). Adaptações como essa se configuraram num filão à parte, que tem rendido oportunidades de trabalho a autores nacionais. Das mais de 30 produções assim lançadas ao longo do ano, cerca de um terço foi produzida no país. O objetivo é atingir as gordas compras governamentais, que incluem tais álbuns nas listas de títulos levados às escolas. A principal é o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola), do governo federal. Das 7 obras selecionadas neste ano pelo edital, 3 eram adaptações (apenas uma nacional, uma leitura de Romeu e Julieta com os personagens da Turma da Mônica, de Mauricio de Sousa).
Os editores costumam não deixar explícito o interesse nessas listas. São raras declarações como a dada por Fabricio Waltrick, da Ática, durante o 7º FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos), realizado em novembro em Belo Horizonte. Sobre o assunto, sem nenhum receio, ele justificou o interesse da empresa no setor para atender à demanda gerada pelas compras do governo. A editora publicou neste ano uma versão quadrinizada de "A Escrava Isaura" (por Eloar Guazzelli e Ivan Jaf) e investiu em álbuns infanto-juvenis estrangeiros.
Os motivos do receio de muitos dos editores são um tanto nublados. Trata-se, de fato, de um bom negócio. Uma compra do PNBE varia entre 15 mil e 75 mil exemplares. Mesmo vendidos com desconto, gera-se um generoso lucro. E, em paralelo, cria um ramo de produção nacional. A Nemo, estreante no meio editorial, pôs no mercado no segundo semestre o maior volume de produções nacionais do setor neste ano. Foram três adaptações de William Shakespeare ("Otelo", "Sonhos de uma Noite de Verão" e "Romeu e Julieta") e uma do romance "Dom Casmurro", de Machado de Assis (por Wellington Srbek e José Aguiar).
Não é a regra, mas se podem obter bons resultados com as adaptações. Houve três casos assim em 2011. "Auto da Barca do Inferno", de Laudo Ferreira Júnior, soube trazer para os quadrinhos o tom da linguagem teatral, como a peça foi inicialmente concebida pelo português Gil Vicente, em 1516. Outros dois resultados diferenciados foram obtidos por meio de leituras visuais do conteúdo dos textos originais, buscando transpor em imagens as palavras originais. Foram os casos dos poemas "A Cachoeira de Paulo Afonso", de Castro Alves (1876), adaptado por André Diniz (Pallas) e "Fernando Pessoa e Outros Pessoas", uma vez mais por Eloar Guazzelli (Saraiva).
Para 2012, avistam-se pelo menos mais cinco adaptações literárias em quadrinhos, todas elas produzidas por autores nacionais.
As narrativas mais longas - que os países de língua hispânica rotularam com o nome de "novela gráfica" - não se restringiram apenas ao circuito editorial. Circularam também pelo meio independente. O primeiro trabalho do ano, bancado pelo próprio autor, foi o quarto número de "Nanquim Descartável", série sobre duas amigas, criada pelo roteirista paulista Daniel Esteves. A obra foi lançada no fim de janeiro e foi a que mais se destacou no primeiro semestre, tímido de produções assim. Os seis meses seguintes, ao contrário, tiveram uma overdose de títulos alternativos, capitaneados pela história muda "Birds", de Gustavo Duarte, que começou a ser vendida no Brasil no final de agosto, e pelo décimo volume de "Café Espacial", em formato almanaque e com mais páginas que as edições anteriores. O mesmo Daniel Esteves assinou dois outros bons trabalhos, "O Louco, a Caixa e o Homem", em parceria com Will, e "Três Tiros, Dois Otários", com Caio Majado.
O que parece ter instigado a concentração de lançamentos independentes vista no segundo semestre foram dois encontros da área, a Rio Comicon e o já mencionado 7º FIQ. Muitos autores esperaram pelos dois eventos para mostrar seus trabalhos. O FIQ, em particular, foi inundado por quadrinistas que se autopublicam. Dos estandes que tomavam o fundo e a lateral esquerda da Serraria Sousa Pinto, onde o festival foi realizado, apenas quatro não eram de quadrinistas. Ao todo, foram lançados lá entre 40 e 50 títulos autorais, produzidos em diferentes partes do país. Foram um dos destaques do encontro, que recebeu 148 mil pessoas, segundo a organização. Dezoito mil a mais do que recebeu em julho no mesmo ano a San Diego Comic-Con, uma das mais visitadas convenções norte-americanas da área.
Difícil listar todos os lançamentos independentes do festival mineiro sem cometer a injustiça de deixar algum de fora. Houve até histórias em forma de CD, caso de "St. Bastard - O Orgulho de Cucamonga", de Leonardo Martinelli e Raphael Salimena. Mas dois casos ajudam a ilustrar bem o tema. O primeiro é o grupo paulista formado pelos desenhistas João Montanaro, Pedro Cobiaco, Felipe Nunes, Jopa Moraes e Calvin Voichicoski. Na faixa dos 15 anos, talentosos, integram uma nova geração de autores. Eles produziram revistas e pôsteres especificamente para vender no FIQ, num estande dividido com outros desenhistas. Paralelamente, todos mantêm blogs próprios e produzem para diferentes publicações, algumas delas jornalísticas.
O outro exemplo foi a estreia do grupo Pandemônio, uma das revelações do ano. Formado por autores mineiros, eles lançaram alguns pares de obras no FIQ. Pelo menos quatro delas eram trabalhos que merecem ser registrados por conta da qualidade. Duas foram assinadas por Victor Cafaggi, desenhista que ganhou projeção ao criar um blog com uma versão infantil de Peter Parker, alter-ego do Homem-Aranha. Ele publicou uma coletânea de tiras de Valente, personagem publicado nos fins de semana no jornal "O Globo" e que funciona melhor se lido em sequência, e "Duo.Tone", um sensível relato sobre a infância e as fantasias inerentes a ela.
Outro trabalho foi o criativo álbum "Ovelha Negra", que procurou recriar a história e o estilo de uma fictícia revista de décadas passadas (não confundir com o tabloide de humor homônimo, que teve poucos números e que, de fato, existiu). A obra é uma parceria de Daniel Werneck, professor universitário e um dos organizadores do FIQ, e Ryot. "Achados e Perdidos", mais um álbum gerado pelo selo, tornou-se um dos destaques nacionais do ano. A trama narra a história de um adolescente que, de uma hora para outra, encontra um buraco negro no próprio estômago. A obra foi produzida pela dupla Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho e traz um bastidor peculiar: foi impressa com verba doada por leitores, via site "Quadrinhos Rasos". Os nomes das mais de 500 pessoas que colaboraram aparecem nas páginas iniciais da obra.
A integração entre internet e papel esteve na base de uma série de outros lançamentos, independentes ou não. Confirmou-se neste 2011 a tendência de usar a rede mundial como processo paulatino de produção para, depois, verter o conteúdo - ou parte dele - para o papel. São os casos das coletâneas de tiras de "Ultralafa" (Daniel Laffayete, Barba Negra), "Os Passarinhos" (de Estevão Ribeiro, Balão Editorial), "Rei Emir Saad - O monstro de Zazarov" (André Dahmer, Barba Negra), do autobiográfico "Diário de um Casal" (Ric Milk), do independente "1000 Palavras" (Marcelo Saravá), da série "Um Sábado Qualquer", que repetiu na versão impressa a popularidade da internet (Carlos Ruas, Devir). O livro esgotou em poucos meses e já ganhou nova impressão.
Outra experiência revelante foi vista no segundo semestre. A seção de entretenimento do portal IG passou a veicular histórias em quadrinhos semanais, produzidas especificamente para o site por cinco autores nacionais: Rafael Albuquerque (a ficção científica "Tune 8"), Rafael Coutinho ("O Beijo Adolescente"), Rafael Sica ("Borgo"), Eduardo Medeiros (Roberto") e Raphael Salimena ("Z"). Os dois primeiros reuniram as primeiras partes de suas séries em versões impressas, lançadas no Rio Comicon e no FIQ. Segundo Albuquerque, sua história irá continuar por conta. De acordo com ele, o contrato de seis meses não foi renovado e o espaço não terá sequência em 2012.
Isso sem falar nos vários blogs autorais da internet.
***
Tão inusitado foi este 2011 que até mesmo um dos destaques internacionais foi produzido por autores brasileiros. É o caso do fenômeno "Daytripper", de Gabriel Bá e Fábio Moon, um dos temas da segunda parte desta resenha.
Categoria: RESENHAS
Escrito por PAULO RAMOS às 17h02
2011: o ano em que o quadrinho nacional aconteceu
Volume de trabalhos brasileiros publicados neste ano foi o maior da história
Produção circulou entre editoras, páginas virtuais e de forma independente
Número de encontros sobre quadrinhos no país também foi recorde
Há que se ponderar que a situação, do ponto de vista do autor de quadrinhos, ainda não é a ideal. Trabalha-se muito, ganha-se pouco, muitos nem recebem pelo serviço, fazem por amor à arte. Feita a ressalva, há também que se registrar que este foi um ano histórico para a produção brasileira. Nunca o país produziu tantas histórias como neste 2011. Isso fica claro se for observada a soma dos catálogos das editoras, o volume de obras independentes lançadas e o circuito de sites e blogs autorais dedicados ao tema.
Mais do que quantidade, viu-se também qualidade e pluralidade de gêneros, temas, formatos e suportes. As narrativas longas, tendência externa que ganhou espaço a passos largos nos últimos anos no Brasil, parece terem se enraizado de vez no solo editorial nacional. Foram poucas as editoras da área que não apostaram no setor. A maioria com mais de uma publicação. As livrarias se somaram às lojas especializadas em comercializar quadrinhos como fonte de escoamento dos títulos.
Não há números sobre vendas, algo que costuma ser divulgado pelas editoras apenas quando são informações atraentes. Há, no entanto, alguns dados. As tiragens ficam entre mil e três mil exemplares. Mais em casos esporádicos. O catálogo da Quadrinhos da Cia. também costuma ultrapassar essa marca. Foi o caso de "Quando Meu Pai se Encontrou com o ET Fazia um Dia Quente", que marca a volta de Lourenço Mutarelli aos quadrinhos. O álbum teve 6 mil cópias, segundo informe da Companhia das Letras repassado aos leitores. A obra, feita na forma de livro ilustrado, foi lançada no começo de dezembro.
Outro álbum que teve os números disponibilizados foi "Histórias do Clube da Esquina", de Laudo Ferreira Júnior. O trabalho biográfico sobre Milton Nascimento, Fernando Brant, Lô Borges e outros integrantes do movimento musical mineiro teve quase todos os 3 mil exemplares vendidos em quatro meses. A obra foi uma das dez escolhidas na edição de 2010 do ProAC (Programa de Ação Cultural). O mecanismo de apoio cultural do governo do Estado de São Paulo foi um dos principais impulsionadores de narrativas longas. Cada autor selecionado recebe R$ 25 mil para produzir a obra.
O edital paulista gerou também trabalhos como "Carcará" (Qualidade em Quadrinhos), de Aloísio de Castro, uma história de cangaceiro com verniz de faroeste que figura entre os destaques do ano, e "Vermelho, Vivo" (Cristina Judar e Bruno Auriema, Devir). A maior parte dos trabalhos foi feita em parceria com editoras. Estas, no entanto, fizeram apostas próprias, inclusive com autores estreantes em histórias longas. Apesar de novos no formato, começaram bem. Casos de Kerouac (João Pinheiro, Devir), "Yuri - Quarta-Feira de Cinzas" (Daniel Og, Conrad), "EntreQuadros - Círculo Completo" (Mario César, Balão Editorial), "A Balada de Johnny Furacão" (Eduardo Filipe, o Sama, Flaneur, reeditada no final do ano pela Kalaco), "Garoto Mickey" (Yuri Moraes, Dobra Quadrinhos), "Automatic Kalashnikov 47" (Luciano Tasso, Annablume) e "São Jorge da Mata Escura" (Marcello Fontana, André Leal, Antônio Cedraz e Naara Nascimento, RV Cultura e Arte).
"Oeste Vermelho" (Devir), dos também estreantes Magno e Marcelo Costa, foi uma das boas surpresas do ano. Os irmãos gêmeos narram uma história de faroeste em que um rato sai em vingança contra os gatos que mataram sua família. A obra é resultado de parceria com a Quanta Academia, de São Paulo. A escola de artes seleciona trabalhos que julga relevantes e os encaminha para a editora Devir publicar. Outra surpresa foi trazida por Julius Ckvalheiyro, com o álbum "Guerra: 1939-1945" (Conrad). Narrado num estilo que mescla luz e sombras, apropria-se de um gênero pouco explorado no país, ainda mais numa história de maior fôlego.
Aos novos somam-se novos trabalhos de autores que já experimentaram esse modo de narrar quadrinhos em produções anteriores. Marcelo d´Salete ("Encruzilhada"), Rodrigo Rosa e Carlos Ferreira ("Kardec") e André Diniz ("Morro da Favela") marcaram os primeiros álbuns nacionais da Barba Negra, parceria com a editora portuguesa Leya. O trabalho de Diniz, uma biografia do fotógrafo carioca Maurício Hora, figura entre as melhores obras de 2011, incluídas as estrangeiras. José Aguiar, Dw Ribatski e Paulo Biscaia fizeram uma leitura de trechos de peças de Biscaia em "Vigor Mortis Comics" (Zarabatana). Houve ainda três novas visitas a personagens já apresentados ao leitor. Nestablo Ramos Neto concluiu a segunda parte de "Zoo" (HQM), série pautada na interação entre humanos e animais. Danilo Beyruth também deu sequência às histórias do herói do além "Necronauta" (Zarabatana). Eduardo Schloesser revisitou seu Zé Gatão na aventura "Memento Mori" (Devir).
Três coletâneas tiveram curiosamente pontos coincidentes: reeditavam histórias já lançadas em álbuns anteriores ou em outras publicações e agregavam a elas novas narrativas; trabalhavam a identidade do brasileiro, em diferentes regiões do país; traziam histórias curtas, como se fossem contos em quadrinhos; obtiveram resultados artísticos singulares, cada uma a seu modo. André Toral mesclou o lado urbano do brasileiro de hoje com relatos de ontem em "Curtas e Escabrosas" (Devir). Marcello Quintanilha deu nova cara a um álbum publicado nos primeiros anos da Conrad, rebatizado agora de "Almas Públicas" (lançado pela mesma editora). O principal alvo são os fluminenses. Lélis trouxe de volta o álbum "Saino a Percurá", lançado uma década antes, e colou no título um "Ôtra Vez" (Zarabatana). O desenhista, especialista em aquarela, conta causos do sertão mineiro.
Merece registro especial a reunião das cem páginas que compuseram a história do "Garra Cinzenta" (Conrad). A reedição, em formato livro, trouxe - ou apresentou - ao leitor um dos primeiros quadrinhos adultos produzidos no país. Foi escrito por Francisco Armond (um pseudônimo), desenhado por Renato Silva e publicado no final da década de 1930. Mais do que isso, ajudou a corrigir algumas informações histórias que eram reproduzidas acriticamente, sem que se tivesse contato com o trabalho original. Uma delas é que se tratava de uma aventura de terror. A leitura revela uma trama de mistério, com toques de história de detetive.
***
Lélis publicou outro álbum neste 2011, uma versão em quadrinhos de "Clara dos Anjos", romance de Lima Barreto (1881-1922). A obra foi feita em parceria com o roteirista Wander Antunes (para o Quadrinhos da Cia.). Adaptações como essa se configuraram num filão à parte, que tem rendido oportunidades de trabalho a autores nacionais. Das mais de 30 produções assim lançadas ao longo do ano, cerca de um terço foi produzida no país. O objetivo é atingir as gordas compras governamentais, que incluem tais álbuns nas listas de títulos levados às escolas. A principal é o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola), do governo federal. Das 7 obras selecionadas neste ano pelo edital, 3 eram adaptações (apenas uma nacional, uma leitura de Romeu e Julieta com os personagens da Turma da Mônica, de Mauricio de Sousa).
Os editores costumam não deixar explícito o interesse nessas listas. São raras declarações como a dada por Fabricio Waltrick, da Ática, durante o 7º FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos), realizado em novembro em Belo Horizonte. Sobre o assunto, sem nenhum receio, ele justificou o interesse da empresa no setor para atender à demanda gerada pelas compras do governo. A editora publicou neste ano uma versão quadrinizada de "A Escrava Isaura" (por Eloar Guazzelli e Ivan Jaf) e investiu em álbuns infanto-juvenis estrangeiros.
Os motivos do receio de muitos dos editores são um tanto nublados. Trata-se, de fato, de um bom negócio. Uma compra do PNBE varia entre 15 mil e 75 mil exemplares. Mesmo vendidos com desconto, gera-se um generoso lucro. E, em paralelo, cria um ramo de produção nacional. A Nemo, estreante no meio editorial, pôs no mercado no segundo semestre o maior volume de produções nacionais do setor neste ano. Foram três adaptações de William Shakespeare ("Otelo", "Sonhos de uma Noite de Verão" e "Romeu e Julieta") e uma do romance "Dom Casmurro", de Machado de Assis (por Wellington Srbek e José Aguiar).
Não é a regra, mas se podem obter bons resultados com as adaptações. Houve três casos assim em 2011. "Auto da Barca do Inferno", de Laudo Ferreira Júnior, soube trazer para os quadrinhos o tom da linguagem teatral, como a peça foi inicialmente concebida pelo português Gil Vicente, em 1516. Outros dois resultados diferenciados foram obtidos por meio de leituras visuais do conteúdo dos textos originais, buscando transpor em imagens as palavras originais. Foram os casos dos poemas "A Cachoeira de Paulo Afonso", de Castro Alves (1876), adaptado por André Diniz (Pallas) e "Fernando Pessoa e Outros Pessoas", uma vez mais por Eloar Guazzelli (Saraiva).
Para 2012, avistam-se pelo menos mais cinco adaptações literárias em quadrinhos, todas elas produzidas por autores nacionais.
As narrativas mais longas - que os países de língua hispânica rotularam com o nome de "novela gráfica" - não se restringiram apenas ao circuito editorial. Circularam também pelo meio independente. O primeiro trabalho do ano, bancado pelo próprio autor, foi o quarto número de "Nanquim Descartável", série sobre duas amigas, criada pelo roteirista paulista Daniel Esteves. A obra foi lançada no fim de janeiro e foi a que mais se destacou no primeiro semestre, tímido de produções assim. Os seis meses seguintes, ao contrário, tiveram uma overdose de títulos alternativos, capitaneados pela história muda "Birds", de Gustavo Duarte, que começou a ser vendida no Brasil no final de agosto, e pelo décimo volume de "Café Espacial", em formato almanaque e com mais páginas que as edições anteriores. O mesmo Daniel Esteves assinou dois outros bons trabalhos, "O Louco, a Caixa e o Homem", em parceria com Will, e "Três Tiros, Dois Otários", com Caio Majado.
O que parece ter instigado a concentração de lançamentos independentes vista no segundo semestre foram dois encontros da área, a Rio Comicon e o já mencionado 7º FIQ. Muitos autores esperaram pelos dois eventos para mostrar seus trabalhos. O FIQ, em particular, foi inundado por quadrinistas que se autopublicam. Dos estandes que tomavam o fundo e a lateral esquerda da Serraria Sousa Pinto, onde o festival foi realizado, apenas quatro não eram de quadrinistas. Ao todo, foram lançados lá entre 40 e 50 títulos autorais, produzidos em diferentes partes do país. Foram um dos destaques do encontro, que recebeu 148 mil pessoas, segundo a organização. Dezoito mil a mais do que recebeu em julho no mesmo ano a San Diego Comic-Con, uma das mais visitadas convenções norte-americanas da área.
Difícil listar todos os lançamentos independentes do festival mineiro sem cometer a injustiça de deixar algum de fora. Houve até histórias em forma de CD, caso de "St. Bastard - O Orgulho de Cucamonga", de Leonardo Martinelli e Raphael Salimena. Mas dois casos ajudam a ilustrar bem o tema. O primeiro é o grupo paulista formado pelos desenhistas João Montanaro, Pedro Cobiaco, Felipe Nunes, Jopa Moraes e Calvin Voichicoski. Na faixa dos 15 anos, talentosos, integram uma nova geração de autores. Eles produziram revistas e pôsteres especificamente para vender no FIQ, num estande dividido com outros desenhistas. Paralelamente, todos mantêm blogs próprios e produzem para diferentes publicações, algumas delas jornalísticas.
O outro exemplo foi a estreia do grupo Pandemônio, uma das revelações do ano. Formado por autores mineiros, eles lançaram alguns pares de obras no FIQ. Pelo menos quatro delas eram trabalhos que merecem ser registrados por conta da qualidade. Duas foram assinadas por Victor Cafaggi, desenhista que ganhou projeção ao criar um blog com uma versão infantil de Peter Parker, alter-ego do Homem-Aranha. Ele publicou uma coletânea de tiras de Valente, personagem publicado nos fins de semana no jornal "O Globo" e que funciona melhor se lido em sequência, e "Duo.Tone", um sensível relato sobre a infância e as fantasias inerentes a ela.
Outro trabalho foi o criativo álbum "Ovelha Negra", que procurou recriar a história e o estilo de uma fictícia revista de décadas passadas (não confundir com o tabloide de humor homônimo, que teve poucos números e que, de fato, existiu). A obra é uma parceria de Daniel Werneck, professor universitário e um dos organizadores do FIQ, e Ryot. "Achados e Perdidos", mais um álbum gerado pelo selo, tornou-se um dos destaques nacionais do ano. A trama narra a história de um adolescente que, de uma hora para outra, encontra um buraco negro no próprio estômago. A obra foi produzida pela dupla Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho e traz um bastidor peculiar: foi impressa com verba doada por leitores, via site "Quadrinhos Rasos". Os nomes das mais de 500 pessoas que colaboraram aparecem nas páginas iniciais da obra.
A integração entre internet e papel esteve na base de uma série de outros lançamentos, independentes ou não. Confirmou-se neste 2011 a tendência de usar a rede mundial como processo paulatino de produção para, depois, verter o conteúdo - ou parte dele - para o papel. São os casos das coletâneas de tiras de "Ultralafa" (Daniel Laffayete, Barba Negra), "Os Passarinhos" (de Estevão Ribeiro, Balão Editorial), "Rei Emir Saad - O monstro de Zazarov" (André Dahmer, Barba Negra), do autobiográfico "Diário de um Casal" (Ric Milk), do independente "1000 Palavras" (Marcelo Saravá), da série "Um Sábado Qualquer", que repetiu na versão impressa a popularidade da internet (Carlos Ruas, Devir). O livro esgotou em poucos meses e já ganhou nova impressão.
Outra experiência revelante foi vista no segundo semestre. A seção de entretenimento do portal IG passou a veicular histórias em quadrinhos semanais, produzidas especificamente para o site por cinco autores nacionais: Rafael Albuquerque (a ficção científica "Tune 8"), Rafael Coutinho ("O Beijo Adolescente"), Rafael Sica ("Borgo"), Eduardo Medeiros (Roberto") e Raphael Salimena ("Z"). Os dois primeiros reuniram as primeiras partes de suas séries em versões impressas, lançadas no Rio Comicon e no FIQ. Segundo Albuquerque, sua história irá continuar por conta. De acordo com ele, o contrato de seis meses não foi renovado e o espaço não terá sequência em 2012.
Isso sem falar nos vários blogs autorais da internet.
***
Tão inusitado foi este 2011 que até mesmo um dos destaques internacionais foi produzido por autores brasileiros. É o caso do fenômeno "Daytripper", de Gabriel Bá e Fábio Moon, um dos temas da segunda parte desta resenha.
Categoria: RESENHAS
Escrito por PAULO RAMOS às 17h02