Post by fittsherck on Oct 2, 2013 8:26:05 GMT -5
Atenção:
Este texto é parte integrante de um dos livros que compõem a saga: Legado da Vingança, cuja primeira obra, O Diário de Kalyn, já se encontra disponível no formato e-book para o Kindle no site da Amazon em www.amazon.com.br
Pesquise "Diário de Kalyn" na ferramenta de busca.
A terra arrasada:
Enfia a mão pela grade enferrujada, empurra e se estica, machucando o ombro no áspero metal, mas ela não sente. Só consegue fixar o olhar no tentador objeto que busca alcançar com ajuda de um graveto, mas este também não é longo o suficiente.
Já se castiga há cerca de vinte minutos na estreita saída de uma galeria que desemboca em um canal de concreto que há muito não vê água. A fome de dias não mais podia ser controlada devido à presença daquela caixa. A visão turveia, os tímpanos doem, a garganta trava, a respiração ofega, o suor escorre e a salivação umedece as lascas que se formaram em seus pálidos lábios.
Não dá pra alcançar. Como um animal, ela tenta arrancar a grade, mas só consegue fazer barulho. Ainda guarda certo grau de lucidez para perceber que pode não ser a única criatura faminta nas redondezas, e que não deixa de ser um bom alimento para aqueles que tenham a sorte de lhe encontrar com a guarda baixa.
O vento sopra areia em seus olhos. Se frustra novamente, quase entrando em prantos. Aquilo só pode ter sido arremessado por alguém. Um produto facilmente encontrado em supermercados e conveniências, uma caixa branca com uma logo rosa. Com certeza não é da pré-guerra e talvez ainda esteja no prazo de validade.
Parece um presente divino, mas este maldito planeta nunca entrega nada fácil. Já tentou de tudo. Usou o rifle, e vários gravetos, mas não conseguiu alcançar. Ela está muito longe.
Sempre que pensa em desistir, acaba voltando. Pode ser a última chance e suas mãos tremem só de pensar que talvez não tenha forças para sobreviver mais uma noite. Lembra de sua mãe que sucumbiu a um coma diagnosticado irreversível, da raiva que sente pelo padrasto, que a motivou a fugir para a terra arrasada. E todos os dias provou para si, ser capaz de sobreviver aos pesadelos desta região. Algo que fez muito bem até descer nas galerias e deparar com uma maldita caixa de leite.
É preciso parar um pouco, pensar, raciocinar. A solução pode estar em volta ou mesmo dentro da mochila. É hora de testar os recursos combinados. Talvez amarrando alguns gravetos para aumentar o tamanho do rifle e assim alcançar e resgatar a caixinha daquela saída de esgoto. Talvez dê certo...
O conjunto entra pela estreita brecha da grade. Enfia mais uma vez o braço, empurrando a coronha galeria adentro, mas ainda não dá. Ela é mais alta do que a maioria das meninas de sua idade, então tenta empurrar com a perna. Mas a estreita passagem não lhe permite entrar além de metade de sua coxa. E já está se machucando novamente.
Não é justo. A respiração ofega novamente, a raiva lhe faz balançar e morder a grade. Isso tem que abrir, tem que abrir...
Calma, se acalma... olha em volta, o sol está a pino, o vento continua a assobiar poeira sobre o concreto do canal. Você só precisa encontrar um pedaço de pau ou metal para concluir o serviço, está quase lá. Suba de volta para aquelas casas abandonadas. Deve ter um pé de cadeira, de mesa, ou qualquer outra coisa que sirva.
A fome é tanta que simplesmente esqueceu o rifle, mas agora já é tarde, vamos dar o crédito. Não há sinal de qualquer alma viva. A natureza retoma seu lugar sobre os escombros, dificultando o trabalho de busca, mas eis que surge uma vassoura encostada em uma parede. Madeira apodrecida, mas rígida o suficiente para concluir o trabalho.
E corre do volta para o canal. Felizmente ninguém por perto. Agora é só usar a vassoura para empurrar o rifle e alcançar a linda caixinha. Não tem qualquer dificuldade para puxar o conjunto de volta.
Linda, limpinha, quase sem amassados e ainda com a etiqueta de preço. Passou da validade, mas nem chega a fazer um ano. Basta abrir e sugar seu conteúdo com o apetite de uma criança recém nascida. Essa é pra você, mamãe.
Ela ficaria orgulhosa.
Este texto é parte integrante de um dos livros que compõem a saga: Legado da Vingança, cuja primeira obra, O Diário de Kalyn, já se encontra disponível no formato e-book para o Kindle no site da Amazon em www.amazon.com.br
Pesquise "Diário de Kalyn" na ferramenta de busca.
A terra arrasada:
Enfia a mão pela grade enferrujada, empurra e se estica, machucando o ombro no áspero metal, mas ela não sente. Só consegue fixar o olhar no tentador objeto que busca alcançar com ajuda de um graveto, mas este também não é longo o suficiente.
Já se castiga há cerca de vinte minutos na estreita saída de uma galeria que desemboca em um canal de concreto que há muito não vê água. A fome de dias não mais podia ser controlada devido à presença daquela caixa. A visão turveia, os tímpanos doem, a garganta trava, a respiração ofega, o suor escorre e a salivação umedece as lascas que se formaram em seus pálidos lábios.
Não dá pra alcançar. Como um animal, ela tenta arrancar a grade, mas só consegue fazer barulho. Ainda guarda certo grau de lucidez para perceber que pode não ser a única criatura faminta nas redondezas, e que não deixa de ser um bom alimento para aqueles que tenham a sorte de lhe encontrar com a guarda baixa.
O vento sopra areia em seus olhos. Se frustra novamente, quase entrando em prantos. Aquilo só pode ter sido arremessado por alguém. Um produto facilmente encontrado em supermercados e conveniências, uma caixa branca com uma logo rosa. Com certeza não é da pré-guerra e talvez ainda esteja no prazo de validade.
Parece um presente divino, mas este maldito planeta nunca entrega nada fácil. Já tentou de tudo. Usou o rifle, e vários gravetos, mas não conseguiu alcançar. Ela está muito longe.
Sempre que pensa em desistir, acaba voltando. Pode ser a última chance e suas mãos tremem só de pensar que talvez não tenha forças para sobreviver mais uma noite. Lembra de sua mãe que sucumbiu a um coma diagnosticado irreversível, da raiva que sente pelo padrasto, que a motivou a fugir para a terra arrasada. E todos os dias provou para si, ser capaz de sobreviver aos pesadelos desta região. Algo que fez muito bem até descer nas galerias e deparar com uma maldita caixa de leite.
É preciso parar um pouco, pensar, raciocinar. A solução pode estar em volta ou mesmo dentro da mochila. É hora de testar os recursos combinados. Talvez amarrando alguns gravetos para aumentar o tamanho do rifle e assim alcançar e resgatar a caixinha daquela saída de esgoto. Talvez dê certo...
O conjunto entra pela estreita brecha da grade. Enfia mais uma vez o braço, empurrando a coronha galeria adentro, mas ainda não dá. Ela é mais alta do que a maioria das meninas de sua idade, então tenta empurrar com a perna. Mas a estreita passagem não lhe permite entrar além de metade de sua coxa. E já está se machucando novamente.
Não é justo. A respiração ofega novamente, a raiva lhe faz balançar e morder a grade. Isso tem que abrir, tem que abrir...
Calma, se acalma... olha em volta, o sol está a pino, o vento continua a assobiar poeira sobre o concreto do canal. Você só precisa encontrar um pedaço de pau ou metal para concluir o serviço, está quase lá. Suba de volta para aquelas casas abandonadas. Deve ter um pé de cadeira, de mesa, ou qualquer outra coisa que sirva.
A fome é tanta que simplesmente esqueceu o rifle, mas agora já é tarde, vamos dar o crédito. Não há sinal de qualquer alma viva. A natureza retoma seu lugar sobre os escombros, dificultando o trabalho de busca, mas eis que surge uma vassoura encostada em uma parede. Madeira apodrecida, mas rígida o suficiente para concluir o trabalho.
E corre do volta para o canal. Felizmente ninguém por perto. Agora é só usar a vassoura para empurrar o rifle e alcançar a linda caixinha. Não tem qualquer dificuldade para puxar o conjunto de volta.
Linda, limpinha, quase sem amassados e ainda com a etiqueta de preço. Passou da validade, mas nem chega a fazer um ano. Basta abrir e sugar seu conteúdo com o apetite de uma criança recém nascida. Essa é pra você, mamãe.
Ela ficaria orgulhosa.